sábado, 17 de março de 2007

Formas de evasão

Abre-se a janela e a lufada cinzenta de confusão invade o quarto que com o quotidiano se foi tornando preocupantemente desarrumado. No meio ensurdecedor das ideias não concretizadas perdeu-se o mapa que conduz à chave da gaveta da fantasia. A porta do quarto fecha-se pouco a pouco...há que fugir, há que ultrapassar a barreira da realidade.
Numa larga e súbita passada transpõe-se o enorme postigo que se encerra prendendo a ponta do cachecol. Recusa-se aquele abraço sufocante, e lá fica o pedaço de flanela dependurado na insignificante brecha que ainda sopra um ar triste da floresta de betão.
Esquecendo a identidade avança-se....
Tudo se torna claro, doce, calmo, alegre e convidativo.
À beira do mar sereno, fecham-se os olhos, autoriza-se o espírito a voar e lá vai ele...
Corre, brinca e flutua. Dá gargalhadas e sente-se fantasticamente leve. Não quer parar, não consegue parar, não se cansa.
Estende-se na relva verde, viçosa, sombreada por uma enorme árvore florida de branco e amarelo. Um sorriso tranquilo e um olhar resplandecente dominam o sol, este começa a ficar envergonhado.
Volta-se à beira do mar...o sol ruborizado mergulha lentamente no fresco e interminável tapete azul.
Saboreia-se o silêncio inexistente do outro lado da porta e recarregam-se as virtudes.
O azul-esverdeado convida a uma reunião...
A ansiedade coloca um pé à frente do outro e evolui-se a passo de corrida.
Penetrando na imensidão rebelde e inconstantemente ternurenta pisa-se a primeira ondinha, sobe um arrepio desde o calcanhar até à nuca que, sem hesitação, intensifica o desejo da fusão. Avança-se sem parar.
Profundamente envolvida, dissolve-se aquela gotinha de timidez que havia sido injectada pela cidade. Nada contém a alegria que fura as ondas e as vai contagiando.
Mergulha-se, nada-se lado a lado com um golfinho simpático e brincalhão, vêem-se cardumes de peixes coloridos, vêem-se corais e mil e um cavalos marinhos. Quando se emerge, o céu assume já um manto escuro, salpicado de estrelas brilhantes que rodeiam e fazem a corte à senhora das noites – a Lua – anafada e majestosa, sonolenta e misteriosa.
Sente-se um beijo frio na face, acorda-se e vê-se que afinal a chave da gaveta da fantasia não está perdida naquele...acolhedor e organizadamente carinhoso...quarto.
Fecha-se a janela e volta-se a adormecer.

97/11/01

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